... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 57 - Setembro 2013

Editorial

Lasar Segal ~ Paisagem do Rio de Janeiro
tinta preta à pena sobre papel, 1926.
“Ognuno vede quello che tu pari,
pochi sentono quello che tu sei.” *

~ Niccolò Machiavelli

* "Todos vêem o que pareces,
poucos percebem o que és."


Setembro TUDA ~ TUDA Setembro!

Sem tempo para o tempo, vem TUDA
Setêmplice setena, aos trancos
e desbarrancos, na surda
setembrina ou setembrense
dizer que fácil né manter setem-
versos poéticos em prumo sem
perder a classe a linha o rumo.
Do quelé que sem qualé qalou, até
o mané que sem mesmo matar mofou
Do padre que só de pensar já pecou, da
vadia que de na vida vadiar viciou
vai que vai vem que vem TUDA tem
muda boa bem bom bem bem - again 'n again
fecha-relâmpago flecha-éclair do instante-momen-
to.

Com os já conhecidos pyndahýbicos, destimundo e d'outros além, lutando para continuar neste, vem TUDA, errática e navegântica, despojada e despretendida, desamarrada de nós do pensamento engajado, vem que vem esta TUDA, lembrando os 100 anos do Lockout de Dublin e os 50 anos do Museu Matisse, lamentando a morte de Seamus Heaney e colorindo o Outono no Hemisfério Norte com o Solstício de Setembro.

É isso aí companheiros, na velha e suja LabUTA do dia a dia, firmeforte no descrédito às organizações, contra a falsidade das instituições, contra a ganância e a cobiça que o mundo moderno nos impõe, que não raro nos apresenta encruzilhadas onde só os afortunados de espírito podem tomar o caminho do bem... esta é a luta! Ou se luta soa antigo, datado, ultrapassado, então este é o mote, no déspota esclarecido ou no enrustido, considerando o oposto antes de afirmar o posto, que há de chegar o dia em que não seremos mais guiados pelo vil metal, e o mundo inteiro, este que conhecemos, se colapsará, e um outro virá...

Virá que eu ví!

Só que não será em forma de índio, nem virá numa estrela colorida ou brilante, e embora esteja muito além da impavidez do Ali, do apaixonadiço Peri, e da tranquilidade e infalabilidade do Lee, duro mesmo vai ser convencer o Caetano de que os Filhos de Gandhi nada têm a ver com isso!

Deixe eu ir que ele já deve estar chegando...

QG de TUDA Setembro
fotomontagem de Eduardo Miranda
Asyno Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor
deste porto semisseguro da jlha do Eire
oje, dezº qvjmº dia do nonº mez
d este Anno Domini de MMXIII

Dívida Interna


Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Blogagem
Eduardo Miranda

Revisão
dos autores

Participam desta edição:
Alan Rudolph, Aldo Votto, Aristides Klafke, Arnaldo Xavier, Cesar Cruz, Chihilo Mathui, Dorival Fontana, Eduardo Miranda, Giorgio Morandi, Henri Matisse, José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Lasar Segal, Leon Farrell, Marina Alexiou, Marta Penter, Muchanu, Niccolò Machiavelli, Plínio de Aguiar, Roniwalter Jatobá, Rui Carvalho Homem, Seamus Heaney, Vauluizo Bezerra, W. B. Yeats, William Blake and William Sadler II

E-mail
tuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

Pity ~ William Blake
ink and watercolour on paper, 1795

subsenhor                                      Amanhece nua
Como uma semente  No fundo se julgava um poço de iluminação

[ in Lud-Lud, Casa Pyndahýba Editora, São Paulo, 1998 ]

Poesia - Aristides Klafke

Hotel ~ by Alan Rudolph
10

Venha meu velho
Venha a mim com teu reino encantado
Sonhar um sonho ao meu lado
Venha arregaçado ocupar
Frente a frente, lado a lado
Esse espaço-espasmo que está vazio

Linguístico linha dura…venha meu velho

Ao orgasmo com os seus ritmos intransigentes
Ao mundo fonético seus aforismos e delírios
O que quiseres, velho sacana, cacofonias
Tautologias, repentes, emboladas, cantorias

Se apodere deste lapitópe megametaforizado
Bombardeie a semântica da improbabilidade
Beba do pão que Zé Limeira importou
E meta a boca no trambone pra valer

Desencrave ficções, sonetos, Baudeilaires
Acelere esta fricção canibalística
Venha obscenizar minha dicotômica dicção
Minha artilharia entorpecida
Minha entonação de britadeira
Venha, velho vate, porque aqui
Aqui
É o meu lugar               O velho lugar
Aqui
É o seu Lugar               O mesmo lugar

[ in Quebrada, inédito ]

Poesia - Plínio de Aguiar

Vauluizo Bezerra ~ sem título acrilica s/tela 1:00 X 2:60 2008

Ao artista plástico e amigo
Vauluizo Bezerra


Poema

o besouro pousou
na tela do monitor
                 havia um poema
                 no computador

o besouto passeou
pelo poema em flor
                 abriu asas, parou

Poesia - Dorival Fontana

The Chromatic typewriter
Autocídio

Poeta de palavra
tem fé nos versos,
inspiração na alma.

Vasculha, rabisca,
percorre as linhas
em branco da página.

No universo incompleto,
transborda o vazio
em formação.

Fecundo momento
impregna o ventre
da criação.

Sofre poeta,
a palavra não dita.

Dorme poeta,
o dia extinto.

Chora poeta,
o poema morreu
sem antes ter vida.

Poesia - Aldo Votto

Giorgio Morandi em Porto Alegre / engraving
Porto Alegre 'revívida'

Logo ao chegar,
porto alegria.
Se no verão,
canícula de abraço que aquece;
Se no inverno,
vento que leva o que entristece.

Revisito
    Reencontro
        Revolvo
    Recomponho
Reintegro

Revejo

cada folha
cada paralelepípedo
cada telha
cada lâmpada
cada cavaco,

células unitárias
da reentrada pelos olhos

Reouço

a palavra dita
de forma inaudita
na reentrada pelos ouvidos
reedita a nostalgia
da prosódia constrita
pela fronteira
pelo limite
pelo singular
pelo ímpar
pelo peculiar
tempo de história

trágica, inglória,
de afirmação de um ideal
que não se sabe fundado ou vão
mas se crê decente e gigantesco
para o pedinte
para o grã-fino
para o estancieiro
para o peão
para o cidadesco
para o migrante
para o homem inteiro
das latitudes álgidas
que rumam ao meridião.

Ressinto

Porto de poucos navios.
Alegre, pero-no-mucho.
Já não és lembrança,
Nem és vivência mais.
Agora, apenas
És parte
recorrente
do meu caminho.

Poesia - Marina Alexiou

Ilustraçãoenviada pela autora
Ela que um dia fora breve e delicada
Eco desajeitada implorando pela sua própria imagem
diante da gruta escura
Não ouviu a resposta do ser que tanto amou
por longo tempo...
O seu corajoso coração. Voluntarioso e destemido
se deteve diante da grandiosidade do encontro
com aquilo que se mostrou com face dúbia e intransigente.
O torpor de um extasiante e luxurioso perfume
envolveu-lhe os sentidos
Mas o engano encontrava-se a espreita,
em caminhos sinuosos, que sorriam, a pedir
sua constante companhia que lutava por despertar
De uma distância que só a inconsciência molda e abrange,
as tantas horas de eterna busca por conforto e solicitude...
Dessa personagem cujo grito de dor não atravessou
as altas montanhas,
Mas se alojou num lago de límpida quietude
Vertem-se canções e poemas conciliatórios,
a perseguir a redenção da culpa
Que emergiu junto com o reflexo do espelho
na solidão...

Conto - Roniwalter Jatobá

(C) All rights reserved by Chihilo Mathui
O Pano Vermelho

"panos herdados de murchos caminhos
rostos sombrios de migrações cinzentas."

Arnaldo Xavier

1952 -- Na minha pele refletia a mocidade, quem via dizia: tão novo, burrego ainda. Tinha: um sonho de pai tão antigo como ele, que passou por toda aquela vida de sustento, vendo os filhos que nasciam no todo sempre em todo ano. E: mãe enrodilhada na cama no resguardo de filho novo, na mesma pequenez quanto as palavras dela, relutando, pra que ir tão longe? Eu: ali, sempre vendo aquela velhice que vinha no correr dos anos trazida quem sabe por quem, que ia entrando nas pessoas. Como ser tão parado no viver? Esperando pai morrer, mãe morrer, aqui, tudo miúdo, até a vida.

1953 -- O caminhão não esperou a claridade despontar. Dormindo, uns. Maldizendo, chorando, outros. Calado, eu. A lona marrom cobrindo as pessoas da chuva, do sol e guardando poeira. A Bahia, grande. Minas: serras, lama, ladeiras, o caminhão lotado de gente chapiando terra, voando areia, pedra, por estes caminhos pobres. São Paulo: como nos velhos sonhos de pai, vermelho tal São Miguel, onde aportei em janeiro de tarde com um sol miúdo. A grande fábrica de química me acenando pelos dias seguintes, chamando. Fichado fui. Perto do ano findar voltei à Bahia em dias de folga. Trouxe Adelina, ela preencheu o vazio de uma mulher.

1954 -- Comprei um terreno no Jardim Helena. No passar do ano fiz em oito domingos seguidos um quarto e uma cozinha, fiz moradia desse começo de casa. Nas noites como uma roça, sapos cantavam longe na vargem do Tietê, Adelina, sempre dizendo, sinto saudade. Nasceu Reinaldo. Getúlio morreu.

1955 -- Não nasceu João Batista que já tinha nome e quase leva pra cova a fraca Adelina que muito sofreu nesse passar de ano. Por mão própria, demorosa, a notícia assim veio: "pai morreu afogado, tentando salvar um bezerro do coronel Gercílio Batista nas profundezas do rio Bananeiras".

1956 -- Nasceu um menino: Getúlio Vargas.

1957 -- Nasceu uma menina: Maria Aparecida.

1958 -- Puxei mais um quarto. Adelina ajudando, Reinaldo se lambuzando de barro, a casa tomando outra forma. Outras casas começavam a levantar em volta. Adelina no entrar de setembro foi operada. Avexei: cuidei da casa, saía cedo pra fábrica, voltava no rastro, pedi ajuda, os poucos vizinhos favoreceram.

1959 -- Apertou saudade, viajei pra Bahia, só. Adelina ficou. Vi: Bananeiras tinha a mesma cara, tudo igual, tudo mais velho, só a água que corria sempre naquele rio que me banhei vinha mudada nas corredeiras.

1960 -- No começo desse ano: nasceu Roberto. No fim: Adelina caiu perto do poço d'água, escorregou carregando um balde cheio, perdeu um menino que desabrochava nela. Ela definhou, a pele se colou aos ossos; no chegar, toda tarde, via Adelina viva pelas graças de Deus.

1961 -- Comprei uma bicicleta.

1962 -- Reinaldo começou a trabalhar no Brás, engraxando sapatos num ponto da estação de trem, levantava bem cedo, todo dia escuro ainda. Quase no fim do ano compramos uma televisão, fazendo sacrifício.

1963 -- Adelina acorda numa noite, soltando gritos pela escuridão, sonhando num presságio triste, como se mil homens lhe estivessem estrangulando, amedronta a casa inteira e ela pare, morto e minguado, um ente, nem homem nem mulher, de três meses.

1964 -- Chegou uma carta, dizendo: "mãe tinha morrido e, antes, viva ainda, mandou fazer um vestido com o pano vermelho que lhe mandei de presente e pediu, como se adivinhasse a morte que logo apontaria, que lhe vestisse como mortalha". Assim foi feito.

1965 -Getúlio morreu na primeira rua de asfalto, aqui, debaixo dum carro ligeiro, que se sumiu pra sempre nas ruas de poeira.

1966 -- Adelina entristeceu nesse correr de ano todo, andava pelas tardes de domingo, comparando: "miséria aqui, miséria lá, aqui é cativeiro".

1967 -- A mãe de Adelina morreu. Ela botou luto fechado por seis meses e dias, batendo com as palavras sempre dizia: "que sua sina era viver aqui nesse cativeiro".

1968 -- Vieram uns soldados. Bateram na porta, abri. Iam me levar. Adelina me segurou, um soldado bateu nela com o fuzil. Ela me soltou. Voltei, solto, era engano, mas por meses não olhei frente a frente nos olhos baixos de Adelina.

1969 -- Adelina morreu. Sina mais triste pra quem fica, sina de todo vivente. Ano inteiro, em juízo: solidão pesando, filhos crescendo, Jardim Helena inchando de gente.

1970 -- Maria Aparecida chorava sempre no negar das coisas que nunca, ninguém aqui, podia nem ter. Pedia que ela esperasse, se botasse mais moça, até poder trabalhar. Num dia não amanheceu em casa. Sumiu na sua sina.

1971 -- Reinaldo encegueirou, quis casar. Trouxe a mulher pra morar aqui. Construí um quarto pra eles no fundo da casa.

1972 -- Maria Aparecida tinha sumido de verdade. Nunca ninguém mais ouviu falar dela. Cada dia mais apertava a falta de Adelina. Um ano triste.

1973 -- Me ofertaram uma medalha pelos vinte anos de trabalho. Reinaldo brincou: "o que vale isso, pai?" Respondi: "num brinca com as coisas do governo!" Guardei a medalha num malote, outro dia, vi: enferrujada.

1974 -- A profissional se esfiapava no passar do tempo, suada, molhada, seca, no bolso traseiro da calça.

1975 -- Fiz acordo na fábrica. Saí de lá. Abri esse bar que aqui se vê. Pequeno, freguesia pouca por enquanto, mas vai melhorar. Sei.

1976 -- Fico nesse bar de noite a dia, de dia a noite, como se procurasse um arremediamento do ficar só. Rita, mulher de Reinaldo, quem imaginava aquele corpo fraco, se tornou mãe, esperança deste corpo, sonho novamente começado em fim de vida. Vem pena de Reinaldo: esperançoso ele. Dou fé.

Red Material

Material bequeathed by withering
highways dusky faces
of greying migrations
(Arnaldo Xavier)

1952 -- Youthfulness shone from my skin, anyone seeing if would say: so young, and bit daft still. What I had: one of my father's dreams as old as himself who had spent all that life of grit as he saw the children who were born in each and every year. And too: mother curled up on the bed shielding the child which was as tiny as her words resisting me, why are you going so far away? I: as I saw aiways there the ageing which came down the passing years brought unbeknownst by whom but which kept entering into people. How could I remain so stranded in life. Waiting for father to die, for number to die, here everything's so paltry -- even life itself.

1953 -- The lorry didn't wait for the light to come. Some sleep. Others, cursing or weeping. Myself, in silence. Brown canvas keeping rain and sun off people and catching the dust. Bahia, so big. Minas, mountains, mud and sleep hills, the lorry laden with people chumming the earth up with sand and stones flying down those poor roads. São Paulo: like in father's old dreams, red like São Miguel where on January afternoon I docked by a now small sun. The big chemical works was beckoning me over the following days, calling me in. I was taken on. Towards the year's end, I went back to Bahia for the holidays. I brought Adelina back with me and she filled the gap for a woman.
 

1954 -- I bought a plot in Jardim Helena. In the course of the year I built one room and a kitchen on eight Sundays at a stretch and I made this start of a home into somewhere to live. Like on a rural patch, toads sang by night far away on the banks of the Tiete. Adelina's aiways saying I feel homesick. Reinaldo was born.
 

1955 -- João Batista wasn't born though he had already a name and all but took that weak Adelina to the grave and how she suffered over the year. The following news arrived by hand and belatedly: "Father drowned as he was trying to save one of Colonel Gercílio Batista's calves in the depths of Bananeiras river."
 

1956 -- A boy's born: Getúlio Vargas.
 

1957 -- A girl's born: Maria Aparecida.
 

1958 -- I knocked up another room. With Adelina giving a hand and Reinaldo getting caked in mud and the house changing shape. Other houses started to go up around. At the beginning of September Adelina had an operation, was overwrought: I kept house and would rise early for the works and come back by the path, I asked for help and the few neighbors came to my aid.
 

1959 -- I was stricken by homesickness and travelled to Bahia on my own. Adelina stayed on behind. I could see: Bananeiras looked just as before, everything the same, everything older, only the water flowing in the river where I bathed had changed through the rapids.
 

1960 -- At the beginning of the year: Roberto was born. At the end: Adelina fell down at the well, she slipped carrying a pailful and lost a child which miscarried. She wasted, her skin gripped her bones; as every evening I got home I found Adelina still alive thanks be to God.
 

1961 --I bought a bike.
 

1962 -- Reinaldo started working at Brás shining shoes on a pitch at the railway station, he'd get up really early every day when still dark. When the year was nearly over we bought a television at great sacrifice.
 

1963 -- Adelina wakes up one night screaming into the dark, having dreamt a nightmare, seemingly a thousand men were strangling her, it terrifies the entire household and she gave birth to an object, dead and slight, neither man nor woman, just three months gone.
 

1964 -- A letter arrived saying: "mother has died and before, when still alive, she got me to make her a dress in red material which I sent her as a present and asked me, with a foreboding of the death that was about to mark her out, that I make it like a shroud for her. And so I did."
 

1965 -- Getulio was killed in the first asphalt street here, under a light vehicle which vanished into the streets of dust for ever.
 

1966 -- Adelina grew so sad trough the year, she would drift around on Sunday afternoons, comparing "so wretched here, so wretched there, this is pure bondage."
 

1967 -- Adelina's mother dies. She went into six month's and six days morning, every time she spoke mumbling that it's my fate to be living here in this prison camp."
 

1968 -- Some soldiers came. They banged at the door and I opened. They were going to take me away. Adelina clung on to me, one soldier hit her with his rifle. She let me go. I got back, it was a mix-up, but for months I couldn't look Adelina's downcast eyes head on.
 

1969 -- Adelina has died. A worse fate for the one who's left, the fate of everyone alive. The whole year long, in purgatory, with loneliness weighing me down, the children growing up and Jardim Helena filling up with folk.
 

1970 -- Maria Aparecida would sob when refused things that no one could ever ever have here. I asked her to wait till she was a bigger girl and could go out to work. One day at home it didn't down. She vanished to her fate.
 

1971 -- Reinaldo fell madly in love and wanted to get married. He brought the wife to live here and I built a room for them on the back of the house.
 

1972 -- Maria Aparecida has vanished for good. Nobody has ever again mentioned her. Everyday Adelina's absence was ailing me more. A sad year.
 

1973 -- I was awarded a medal for twenty years service. Ronaldo scoffed; "what's the good of that, dad?" I answered: "Just don't scoff at things from higher management!" I put the medal away in a trunk and the other day I found it: gone rusty.
 

1974 -- My trade card was falling to bits with the passage of time, sweaty, soaked and dried in my back trouser pocket.
 

1975 -- My resignation was accepted at the works. I left the place. I opened the bar you can see here. 
A small one, not too many customers so far but it'll pick up. I'm sure of that.
 

1976 -- I keep in the bar from night till morning and from morning till night as if seeking treatment for being all alone. Rita, Reinaldo's wife, and whoever would have thought it of that frail body, has become a mother, the hope of this body, a dream newly restarted at a life's end. I'm sorry for Reinaldo: so full of hopes he is. Honest to God.

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
Verdadeira Estória de Um Roupeiro Chamado Toninho

Toninho Roupeiro sabia que aquela tarde seria a justificação de sua existência: a equipe em que ele trabalhava (na ocupação designada pela segunda parte de seu apelido), o Escrete Esportivo Emboaba (E.E.E.) disputava em Tóquio a tradicional final do mundial interclubes contra o Sportivo Palermocalcio, um clube italiano formado por imigrantes argentinos… Ele tinha certeza da vitória, porém as obcessões do técnico Alejandro Gutman, punham em dúvida do sucesso derradeiro, pois desconfiava daquele uruguaio (*), que dizia constantemente: -”Yo soy un hombre místico … Yo tiengo visiones espirituales de cosas que losotros no miram …”. E não era por menos, pois Alejandro usava um fez (chapéu turco) e ficava falando sozinho no período que antecede os confrontos, nas escadarias dos vestiários… Uma parte da imprensa achava que ele era um engôdo, a outra formada por jornalistas polêmicos, acreditava que ele era um verdadeiro gênio, que abandonara todos os esquemas táticos atuais e ressucitara a formação em diagonal, inventada por Flávio Costa…

O primeiro tempo foi terrível, a equipe italiana jogou na retranca e explorando oportunisticamente os contra-ataques obrigou o goleiro do E.E.E., Peres Donizete a fazer defesas incríveis, sendo que uma delas foi considerada pela crítica esportiva especializada como mais sensacional que o célebre lance em que o arqueiro inglês Gordon Banks pegou uma cabeçada de Pelé, no México em 1970… Antes de entrar no vestiário para o intervalo, Alejandro Gutman cochichou com Toninho Roupeiro: -” Yo tiengo que hacer una bússula mental…”

Aos sete minutos do segundo tempo o árbitro da peleja: Ramón de Sandoval y Rojas (chamado de Jamón Sandoval devido sua predileção por presunto cru), espanhol nascido em Argamansilla de Calatrava, marcou um pênalti duvidoso em cima do italiano Benito Bertoni… goleiro num canto e a bola no outro: no canto da trave!!! Pois é… não entrou…

 A partir daí o técnico do Escrete Esportivo Emboaba, começou a dizer aos berros todo o dicionário de palavrões da língua espanhola; e como o árbitro, cansado se ouvir os vitupérios do técnico emboabino, não ignorava o que ouvia, expulsou-o do gramado… 

O uruguaio passou a assistir o jogo da arquibancada, transmitindo as instruções para Toninho através de um telefone celular… O que ele não imaginava, foi que o roupeiro desconsiderou totalmente as suas orientações e passou a agir por conta própria… -”Chega das palhaçadas deste cara, eu mesmo é que vou dar um jeito na partida…”

 Aos trinta e sete do segundo tempo, o técnico interino, chama Ribamar (o canhotinha de ouro) e disse o seguinte: – “Olha, não passe a bola pra ninguém, viu??? Vá driblando, driblando, até entrar com bola e tudo.”
… 39 min… 40 min… 41 min…42 min… 43 min… 44 min!!! 45 min… descontos: Sportivo Palermocalcio ZERO X Escrete Esportivo Emboaba UM !!! (**)
Ao dar a entrevista coletiva como técnico Campeão Mundial Interclubes, Alejandro Gutman disse: – “Fueram las visiones, fueram las visiones…” mas ele sabia que não houvera visão nenhuma e que o mérito não era dele…

Toninho Roupeiro jamais revelou seu segredo, mas o uruguaio teve que abandonar a profissão (***) pois não suportava os sorrisinhos superiores do roupeiro emboabino…

(*) Parente distante do treinador húngaro Bela Gutman, que trabalhou em uma equipe paulista na década de cinqüenta.
(**) Um obscuro jornalista paraguaio, Gardênio Hernández Garibay, publicou um artigo (no jornal “Periódico del Sport” de San Salvador de Jujuy), em que compara o gol de Ribamar com o final da letra do tango “El Sueño del Pibe” composto em 1943 por Juan Puey e Reinaldo Yiso :
“Faltando un minuto están cero a cero;

 tomo la pelota, sereno en su acción,

gambeteando a todos se enfrentó al arquero 

y con fuerte tiro quebró el marcador.”
(***) Dizem que Alejandro se tornou alfaiate em Taquarembó , porém não há registros de sua passagem pela cidade nos arquivos da prefeitura local .

Crônica - Cesar Cruz

Muchanu ~ Mocking Smile
Os Meus Sorrisos

A Vanessa tem um certo sorriso lindo, do qual só faz uso às vezes. As bochechas sobem de forma diferente, os dentinhos se revelam infantis, uma doçura. Acho que ela nem sabe quando o usa, e nem sabe que é diferente dos outros; é espontâneo e imperceptível para ela, fruto do mais puro contentamento. Para mim é como um presente. Raro.

Desço do carro. Ela assume o volante. A rua Vergueiro vazia e quieta. Não há alma viva na cidade, nesta segunda de Carnaval, às 8h30. O restaurante da Conceição, defronte, fechado. Onde almoçarei?, penso. Vim trabalhar, dar plantão. Já em pé na rua, dou um beijo na Vanessa pelo vidro do motorista. Faço a volta no carro para dar um beijo na Michele, presa na sua cadeirinha, no banco traseiro. Papai tabaiá!, ela diz para mim, e me brinda com seu sorrisinho sensacionalmente fantástico de Michele-do-papai. Ambas são lindas e têm sorrisos esplêndidos. Tal mãe, tal filha.

Vendo o carro se afastar, penso: tudo o que eu tenho na vida vai ali, naquele carro.

Conto - José Miranda Filho

Estação Ferroviária de Queimada, BA.
Encontro de Amigos - Parte 22

Um dos irmãos de Toninho, Francisco, o mais velho, encontrado após uma busca incessante, vivia em Queimadas, no interior da Bahia. Era casado e tinha uma filha. Queimadas é um pequeno município às margens do rio Itapicuru, microrregião do Sertão de Canudos, cuja riqueza maior era a extração de sisal. Nesta época Toninho já estava em São Paulo. Havia chegado havia três meses. Sua vinda para São Paulo deveu-se, principalmente, para providenciar o retorno do irmão Chico para Pindobaçu. Corria à boca pequena que a menina que Chico havia deflorado era endiabrada e fazia sexo com todo mundo. Ela era menor, tinha apenas quinze anos de idade.

Chico como era conhecido pelos amigos e familiares, era um menino tímido e muito trabalhador. Aos dezessete anos gerenciava sozinha uma padaria no pequeno município de Pindobaçu, aonde Seu Zuza, seu pai, era um próspero fazendeiro e comerciante.
Chico, não tinha nada com o que se preocupar. Tinha tudo o que queria. Sempre teve uma vida independente. Sempre quis ser livre, solteiro. Tudo estava ao seu alcance, pois ele sempre trabalhou para conquistar esse direito que sempre foi seu, e dele não abria mão por motivo algum, principalmente para se casar.

Pertencia a uma família tradicionalmente católica e bastante conceituada na cidade. Sua mãe era membro das “FILHAS DE MARIA” uma congregação católica formada por mulheres que se abstinham da luxúria, do poder e da arrogância para ensinar os poderes de Deus e prestar ajuda espiritual, financeira e moral àqueles que necessitassem. Seu Pai não queria o casamento, de jeito nenhum. “Nem que a vaca tussa”, como costumava dizer aos amigos e a quem lhe perguntasse a respeito, por achar que a moça não era de família decente.

Essa opinião retrógada que chegou ao conhecimento do pai da moça, fez com que ele abrisse um processo civil e criminal, a cujo desfecho final Chico foi condenado. Para não ser preso teve de fugir para São Paulo, acobertado por um primo que já estivera em terras bandeirantes e conhecia quase toda a cidade, principalmente, São Miguel Paulista, refúgio final.
Permaneceu em São Paulo quase quinze anos. Não conseguia emprego em razão da sua situação na justiça. Não podia expor-se muito à vista e ao conhecimento do público. Era um foragido. Vivia de pequenos bicos, protegido por policiais corruptos que sabiam de seu estatuto judicial e lhe davam cobertura mediante alguma recompensa.

Isso tudo vinha do bolso do pai, que Já não suportava mais tanto gasto. A paciência, a saúde e as finanças foram se escasseando gradativamente até o ponto de atingir o clímax do desespero e da discórdia. Felizmente, poucos meses depois o crime estava prescrito e assim ele pode retornar à sua terra. Toninho tinha vindo buscá-lo orientado pelo advogado.

Chico foi e Toninho ficou.

Em São Paulo Toninho conseguiu seu objetivo: Estudar e ser alguém. Chico não retornou a Pindobaçu, Cidade palco dos acontecimentos, como estava previsto. Preferiu estabelecer-se em Queimadas, aonde, tempos atrás fizera grandes amigos em consequências dos negócios que mantinha na região. Em Queimadas, após alguns meses, estabeleceu-se no ramo de padaria, negócio que dominava e conhecia muito bem. Casou-se, e tempos depois, juntamente com o cunhado fundaram uma empresa de processamento de sisal.

Dez anos após Toninho foi vê-lo. Teve uma impressão não muito boa do seu estado físico e financeiro, naquele sertão seco e quente. Chico imaginava junto a outros empresários, meios de tirar o sustento da família. Não tinha condições de sustentá-la através daquele arcaico sistema de monocultura e produção. Associou-se em cooperativa no âmago da certeza de bons lucros o que não ocorreu.

Toninho sofria muito de ver a ansiedade do irmão, mas nada podia fazer, pois em São Paulo também lutava pela sobrevivência. Voltou de Queimadas, ainda com a esperança de um dia poder ajudá-lo, mas, tudo em vão! Nada pode fazer.
Algum tempo depois, Chico foi acometido por uma doença infecciosa, desconhecida dos médicos locais, talvez transmitida pelo inseto da folha do sisal. Não se soube a origem da doença. O laudo médico acusou apenas parada respiratória. Faleceu deixando viúva e filha.

Tradução - Eduardo Miranda

Os atores Lloyd Cooney, Eric O'Brien, Bairdre Ní Aodha e Laura Murray, num prédio residencial em Henrietta Street, no centro da cidade de Dublin, em show interativo para marcar o Lockout de 1913. Fotografia: Leon Farrell / Photocall Irlanda

Setembro, 1913
W. B. Yeats

Do que precisam vocês, neste momento,
Senão guardar seu dinheiro rançoso
Com meio centavo extra em cada cento
E orar seus salmos de canto penoso,
Até secar os ossos da alma já drenada?
Aos homens que nasceram para o canto da salvação:
A Irlanda romântica está morta e enterrada,
Juntou-se a O'Leary em seu caixão.

No entanto, alguns foram diferentes,
Respeitados por muitas gerações,
Nomes que passaram pelo mundo num repente,
E com pouco tempo para demonstrarem suas ações,
Sucumbiram estes homens, e a forca lhes foi armada,
Santo Deus, quais seriam suas propostas de salvação?
A Irlanda romântica está morta e enterrada,
Juntou-se a O'Leary em seu caixão.

Foi para isso que os Gansos Selvagens
Espalharam sua mensagem pelos céus;
E todo aquele sangue derramado nas paragens
Para isso que Edward Fitzgerald morreu
Também Robert Emmet, Wolfe Tone... por nada
E toda aquela delirante valentia no coração?
A Irlanda romântica está morta e enterrada,
Juntou-se a O'Leary em seu caixão.

Poderíamos, ainda assim, recuar no tempo,
E convocar de volta aqueles exilados
Esquecidos em plena sua solidão e lamento,
Você choraria "Certas mulheres de cabelos cacheados
tem deixados mães e filhos preocupados":
E tudo o que fizeram pareceu em vão
Deixem-os, estão mortos e enterrados,
Se juntaram a O'Leary em seu caixão.

September 1913

What need you, being come to sense,
But fumble in a greasy till
And add the half pence to the pence
And prayer to shivering prayer, until
You have dried the marrow from the bone?
For men were born to pray and save:
Romantic Ireland's dead and gone,
It's with O'Leary in the grave.

Yet they were of a different kind,
The names that stilled your childish play,
They have gone about the world like wind,
But little time had they to pray
For whom the hangman's rope was spun,
And what, God help us, could they save?
Romantic Ireland's dead and gone,
It's with O'Leary in the grave.

Was it for this the wild geese spread
The grey wing upon every tide;
For this that all that blood was shed,
For this Edward Fitzgerald died,
And Robert Emmet and Wolfe Tone,
All that delirium of the brave?
Romantic Ireland's dead and gone,
It's with O'Leary in the grave.

Yet could we turn the years again,
And call those exiles as they were
In all their loneliness and pain,
You'd cry, 'Some woman's yellow hair
Has maddened every mother's son':
They weighed so lightly what they gave.
But let them be, they're dead and gone,
They're with O'Leary in the grave.

Releitura - Seamus Heaney

Charge sobre os insurgentes na Batalha de Vinegar Hill. ~ William Sadler II
Requiem pelos Rebeldes
by Seamus Heaney

Com o grão enchendo os bolsos dos capotes –
Sem cozinhas ou tendas como estorvo –
Éramos rápidos na terra que era nossa.
O padre andava a monte com o vagabundo.
A um povo – não em marcha, a corta-mato –
Tácticas novas ocorriam dia a dia:
Com um pau se derrubava uma montada,
Gado em fuga dispersava a infantaria,
Cruzando sebes se fugia aos cavalos.
Até Vinegar Hill, fatais socalcos.
Milhares morreram, foices contra canhões,
A encosta rubra com o quebrar da nossa onda.
Enterraram-nos sem mortalhas ou caixões
E em Agosto germinou o grão na tumba.

tradução de Rui Carvalho Homem

Ilustração - Henri Matisse

Henri Matisse ~ Tabac Royal, 1943. Oil on canvas

Henri Matisse ~ Icarus, 1944. Paper cutout

Ilustração - Marta Penter

Aquarela sobre papel
Marta Penter

aquarela sobre papel
76x120cm


Vídeo - Dublin Lockout


Sinn Féin Councillor Mícheál Mac Donncha on the history of the 1913 Lockout lead by Jim Larkin and the Irish Transport and General Workers' Union (ITGWU)