... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 57 - Setembro 2013

Conto - José Miranda Filho

Estação Ferroviária de Queimada, BA.
Encontro de Amigos - Parte 22

Um dos irmãos de Toninho, Francisco, o mais velho, encontrado após uma busca incessante, vivia em Queimadas, no interior da Bahia. Era casado e tinha uma filha. Queimadas é um pequeno município às margens do rio Itapicuru, microrregião do Sertão de Canudos, cuja riqueza maior era a extração de sisal. Nesta época Toninho já estava em São Paulo. Havia chegado havia três meses. Sua vinda para São Paulo deveu-se, principalmente, para providenciar o retorno do irmão Chico para Pindobaçu. Corria à boca pequena que a menina que Chico havia deflorado era endiabrada e fazia sexo com todo mundo. Ela era menor, tinha apenas quinze anos de idade.

Chico como era conhecido pelos amigos e familiares, era um menino tímido e muito trabalhador. Aos dezessete anos gerenciava sozinha uma padaria no pequeno município de Pindobaçu, aonde Seu Zuza, seu pai, era um próspero fazendeiro e comerciante.
Chico, não tinha nada com o que se preocupar. Tinha tudo o que queria. Sempre teve uma vida independente. Sempre quis ser livre, solteiro. Tudo estava ao seu alcance, pois ele sempre trabalhou para conquistar esse direito que sempre foi seu, e dele não abria mão por motivo algum, principalmente para se casar.

Pertencia a uma família tradicionalmente católica e bastante conceituada na cidade. Sua mãe era membro das “FILHAS DE MARIA” uma congregação católica formada por mulheres que se abstinham da luxúria, do poder e da arrogância para ensinar os poderes de Deus e prestar ajuda espiritual, financeira e moral àqueles que necessitassem. Seu Pai não queria o casamento, de jeito nenhum. “Nem que a vaca tussa”, como costumava dizer aos amigos e a quem lhe perguntasse a respeito, por achar que a moça não era de família decente.

Essa opinião retrógada que chegou ao conhecimento do pai da moça, fez com que ele abrisse um processo civil e criminal, a cujo desfecho final Chico foi condenado. Para não ser preso teve de fugir para São Paulo, acobertado por um primo que já estivera em terras bandeirantes e conhecia quase toda a cidade, principalmente, São Miguel Paulista, refúgio final.
Permaneceu em São Paulo quase quinze anos. Não conseguia emprego em razão da sua situação na justiça. Não podia expor-se muito à vista e ao conhecimento do público. Era um foragido. Vivia de pequenos bicos, protegido por policiais corruptos que sabiam de seu estatuto judicial e lhe davam cobertura mediante alguma recompensa.

Isso tudo vinha do bolso do pai, que Já não suportava mais tanto gasto. A paciência, a saúde e as finanças foram se escasseando gradativamente até o ponto de atingir o clímax do desespero e da discórdia. Felizmente, poucos meses depois o crime estava prescrito e assim ele pode retornar à sua terra. Toninho tinha vindo buscá-lo orientado pelo advogado.

Chico foi e Toninho ficou.

Em São Paulo Toninho conseguiu seu objetivo: Estudar e ser alguém. Chico não retornou a Pindobaçu, Cidade palco dos acontecimentos, como estava previsto. Preferiu estabelecer-se em Queimadas, aonde, tempos atrás fizera grandes amigos em consequências dos negócios que mantinha na região. Em Queimadas, após alguns meses, estabeleceu-se no ramo de padaria, negócio que dominava e conhecia muito bem. Casou-se, e tempos depois, juntamente com o cunhado fundaram uma empresa de processamento de sisal.

Dez anos após Toninho foi vê-lo. Teve uma impressão não muito boa do seu estado físico e financeiro, naquele sertão seco e quente. Chico imaginava junto a outros empresários, meios de tirar o sustento da família. Não tinha condições de sustentá-la através daquele arcaico sistema de monocultura e produção. Associou-se em cooperativa no âmago da certeza de bons lucros o que não ocorreu.

Toninho sofria muito de ver a ansiedade do irmão, mas nada podia fazer, pois em São Paulo também lutava pela sobrevivência. Voltou de Queimadas, ainda com a esperança de um dia poder ajudá-lo, mas, tudo em vão! Nada pode fazer.
Algum tempo depois, Chico foi acometido por uma doença infecciosa, desconhecida dos médicos locais, talvez transmitida pelo inseto da folha do sisal. Não se soube a origem da doença. O laudo médico acusou apenas parada respiratória. Faleceu deixando viúva e filha.